quarta-feira, 25 de novembro de 2009

True truth.

The words you wanted to hear.
The words you needed to hear.
You spoked them.
Through me.
For yourself.

domingo, 15 de novembro de 2009

Sóbrio

Não seria a primeira nem a última vez que acordara naquele estado. Abri os olhos, e fixei o tecto. Ilustrei espirais repentinas com o meu olhar, e senti-me nauseado. Era uma sensação comum, algo demasiado simples para alguém que vivera uma vida boémia como a minha. Tento levantar-me, lentamente, e respiro com calma para não sofrer mais. O quarto pára, e sinto-me pesado. Tão pesado.

Mas esta história não é sobre mim, e como tal, tal apresentação é desnecessária. Não, esta história é sobre outro rapaz, que se recostara ao meu lado, como tantos de nós. A viva nunca nos deu folga, e fugiamos das normalidade celebrando a nossa própria imundice, como os porcos que sempre fomos. Divago. Lá estava ele, deitado, petrificado no chão qual estátua inerte. Mas não dormia. Não. Os seus olhos reluziam fugazmente por entre a penumbra.

Não me interessou o mínimo. Pensei que estivesse sob o efeito do álcool ou da droga, pouco me interessava. Já todos fizemos o mesmo. O ardor do álcool não costuma ser benéfico às grandes noites de sono. Levantei-me, já recuperado, e dirigi-me à casa de banho. Olhei para a figura baça que apareceu repentinamente no espelho e ri-me. Parece que me persegue constantemente, foi a primeira coisa que me veio à mente. Enfim. Passei água pela cara, e bebi alguma. Recuperei os sentidos completamente, e voltei ao quarto.

Nada tinha mudado em si. Ainda via as mesmas pessoas deitadas, num torpor alcoólico de louvar a Baco. E o tal rapaz lá continuava, deitado, olhando para o tecto. Do nada, solta uma lágrima, que lhe rola lentamente face abaixo. Começa a murmurar, lentamente, chorando.

Gostava de ter sentido pena dele naquele momento, de lhe ter dito algo. Não o fiz. Sentei-me na cama, e acendi um cigarro. Queimou-me a garganta ao de leve, mas era uma sensação divinal. E ele lá continuava. E eu, nada lhe disse. Quando um homem chora, deve fazê-lo para si, com gosto. Chorar é excelente. É o acalmar das lamurias e tristezas, dos ódios e raivas perdidas. Mas ele lá quebrou.

"António, man ..."

Soltei uma nuvem espessa de fumo para o ar.

"Que foi ?"

"Já alguma vez amaste ?"

Tomei a pergunta a seco, como um soco repentino no estômago. Era uma pergunta desagradável, ao meu ver.

"Demasiadas vezes."

"Já alguma vez amaste de tal maneira, que pensaste que nunca mais quererias passar a vida com outra pessoa, que ela era a única, a derradeira ?"

Ri-me. Sabia exactamente onde a conversa ia dar, e já adivinhava o porquê das lágrimas daquele rapaz.

"Já, mas a vida engana-nos."

Ele senta-se ao meu lado, limpando o rosto numa manga da sua camisola.

"Engana, não engana ? Eu sentia isso até hoje. Pensei que ela fosse a tal. Amei-a com todo coração, com toda a minha alma ... e nem isso a fez parar."

Ri-me novamente. Sempre fui um vero apologista das conversas decadentes entre dois gajos meio embriagados. O álcool rebenta com as inibições externas, ou seja, é bêbado que um gajo consegue ser mais sincero.

"As mulheres, meu amigo ... não nos merecem. E nós, até certo ponto, também não as merecemos. Podia dizer-te mil e uma coisas. Podia dizer-te que ela é uma puta, mas ficarias ofendido. Poderia dizer-te que a culpa não é tua, mas não te ajudaria. Até te poderia dizer para a esqueceres, mas as minhas palavras cairiam no vazio."

Ele olha para mim, perplexo, num misto de confusão e tristeza.

"Neste caso, meu amigo ..."

Passo-lhe o braço por cima do ombro, e aperto-o contra mim. Posso não ser a melhor pessoa deste mundo, mas nunca me hão-de acusar de não ajudar quem me é próximo.

"... não há nada que te diga que te faça sentir melhor. Chora o que tiveres a chorar hoje, porque amanhã chorarás mais. Odeia o que tiveres a odiar, porque não será a última vez que o fazes. A justiça não existe, não para gajos como nós. Estamos fadados à solidão. E quanto mais cedo acreditares nesta ideia, mais depressa te sentirás como eu."

Ele olha-me nos olhos, com as lágrimas a correr livremente.

"Mas eu não quero chorar. Eu não quero odiar. E não quero estar sozinho. Simplesmente quero-a a ela."

Olho para ele e largo-o, levantando-me.

"A escolha é tua, tu e só tu sabes o que fazer. Como te disse antes, não há nada que possa dizer que te vá ajudar."

Ele começa a soluçar, enquanto eu visto o casaco. A dor é grande, naturalmente, mas é preciso engarrafá-la, saber geri-la, saber fazer com que fermente bem, e só assim teremos uma excelente enchente de ódio destilada. E ele não o percebia. Quando eu vou a sair porta fora, ouço a voz dele, num tom lúgubre.

"Sou uma boa pessoa. Sempre fui. Nunca cometi nenhuma injustiça, sempre tentei ajudar quem pude. Nunca pedi nada em troca, a não ser um bocado de felicidade para mim mesmo. E a vida retribui-me assim. Com dor, tanta dor. Porquê, António, dá-me uma puta de uma razão!"

Abro a porta, e solto uma gargalhada. Alta. Cínica. Quase que delirante. Viro-me para trás, e sinto a fúria que tenho engarrafada a espalhar-se rapidamente, ruborizando a minha face. Olho-o friamente, com um olhar flamejante.

"Tudo o que te disse foi em vão. Não há justiça neste mundo. Hoje salvas a vida a alguém, amanhã levas uma facada de um assaltante qualquer. Hoje matas a fome a um pobre, amanhã não tens o que comer. Boas acções, más acções, branco, preto, nada existe. Tudo o que nos é incutido são mentiras, todas as tangas que te fazem engolir são conceitos de merda, e a justiça para os justos é uma delas. Queres um porquê ? O porquê de estares sozinho ? Porque esse é o fado de todos os amam sem restrições. Vivemos para sermos magoados, e se não sabes viver com isso, estás completamente fodido."

Ele olha-me, atónito, com os olhos vermelhos de tanta lágrima. A sua expressão é quase que delirante, um esgar maníaco de tristeza pura.

"És demasiado bom para mim, foi como ela acabou comigo. Como é que isto é possível ..."

De joelhos no chão, esconde a cara entre as mãos, e eu rio-me outra vez.

"Demasiado bom para mim. Essa é boa. Mas com o tempo, meu amigo, aprendê-las-ás a todas, acredita nas minhas palavras."

Fecho a porta atrás de mim, suavemente.


Epilogo


Desço a rua a passo leve e certo. Está uma tarde limpa, com o Sol alto, mas um frio irreverente gelava-me a pele. Acendo um cigarro com dificuldade, e tento aquecer as mãos. Chego ao meu destino, a tão comum tasca que costumo frequentar. Sento-me calmamente, e peço o de sempre, o meu bem amado café.

Enquanto o sorvo, passam as notícias na televisão, que permanecia sempre ligada. Podia ler-se a letras garrafais "Jovem Suicida-se à frente dos pais e irmão pequeno". Não me aborrece, e vejo uma cara conhecida, com as suas tristes feições estampadas numa fotografia.

"Fraco.", murmuro eu, entredentes, enquanto apago o meu cigarro no cinzeiro mais próximo.